quarta-feira, 2 de março de 2011

O DIA QUE PASSA


Recebi essa crônica do amigo Sebastião Grégio, gregiogregio@gmail.com.br que gentilmente permitiu-me que a publicasse aqui. Adorei... como sempre! Achei leve e com aquele toque de humor que tanto gosto nos textos dele. Deliciem-se amigos. Beijos da Feia.


Fim de tarde chuvoso...

Juntou tudo, fim de tarde, fim de semana e quase fim da paciência. De novo ônibus lotado.
Ainda mais que as artérias principais da cidade se enchiam de água e reclamações, feito coração de jovem apaixonado. E a mídia fazendo média com a indignação coletiva.
Não sou um “neoecochato”. Uso o transporte coletivo por conveniência e comodidade.
Entre o colorido das placas de néon anunciando as novidades, outdoors e semáforos, vidas e diálogos surreais, muitos deles dignos de uma obra de Salvador Dali, a vida passa.
Olhar perdido nas janelas embaçadas pelo de calor de “muitas gentes”, mormaço de asfalto quente e cheiro de suor. Ouvidos alertas para diálogos improváveis.
Duas jovens agarradinhas sussurravam juras de amor eterno, alheias aos olhares despudorados de reprovação da patuléia, um senhor de bigode transmitia a imagem de quem levava uma bronca da patroa pelo celular: “sim querida, sim querida, eu entendo”, dizia o pobre diabo.
E a magricela de dentes saltados para fora, mais pro estilo Fio Maravilha, contava em viva voz à colega deslumbrada suas aventuras e desventuras com o Nelson nos finais de semana.
Que pena do Nelson! Pela conversa desenhei a figura: baixinho, magro, dentes amarelados pelo cigarro e amante de três coisas: água etílica, dança de salão e a magrelinha. Suponho...
Nova parada. Arregalei os olhos. Sobe uma senhora, tipo imagem de um quadro de Botero, carregando umas vinte sacolas de supermercado, cheias. Atrás dela a prole: uma gordinha de celular vermelho ouvindo um rap no último volume e três rechonchudinhos encapetados que tentavam se aboletar no antigo lugar do cobrador.
De repente a gorda das sacolas gritou:
_ “ Fia, liga pra Lú que vamo pará na casa dela. Num dá pra chega em casa com essa chuvarada.
_ Ah, e fala pra ela prepara um lanchinho ou uma sopinha, emendou.
Fiquei a imaginar quem seria a pobre Lú. Lanchinho ou sopinha para aquela turma é gozação. Bota aumentativo nisso.
A cada parada descem mais do que sobem. O centro da cidade vai ficando para trás.
O ronco do motor refletia o cansaço dos últimos passageiros.
Ônibus quase vazio, as duas mocinhas abraçadinhas nem viram o tempo passar.
Desço. Aceno um boa noite para o motorista.
Amanhã, final de semana, quem sabe encontro a loura balzaqueana.
Segunda-feira é o recomeço. Tudo novo no velho ônibus, pois a vida não é rotina.
Basta olhar para fora.

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